Amazônia Última Parte – Sabor

Fui a legítima chata para comer. Uma enjoada. Implicava com a cor, com a textura, com o aroma de qualquer refeição que não fosse bife com fritas. Molhos, eu temia. Verduras, eu negava. Qualquer coisa mais sofisticada, eu simia. Era magra de ruim: ruim de olfato, ruim de paladar. Meu negócio eram as porcarias: salgadinhos, balas, refris. O demo colorido artificialmente. Satanás em forma de corantes e aromatizantes.

Depois melhorei. Comecei a comer batata, tomate, camarão. Viciei em camarão, deslumbre de quem só conhecia alcatra. O tempo passou e eu adoro camarão até hoje, não em cascatas, mas em risotos e bobós. E acabei me abrindo para outros seres comestíveis que nadavam, desde que não muito excêntricos.

Corta. Estou num barco, navegando pelas águas caudalosas e escuras do Rio Negro, na Amazônia, sem chance de fuga: há um chef espetacular a bordo (anote esse nome, Fabrício Guerreiro) que irá conduzir o pequeno grupo rumo a uma aventura gastronômica pela culinária amazonense e, contrariando minhas fobias da infância, não sinto medo.

Na primeira noite, é servida uma massa verde com folhas de jambu, e começa a introdução a um novo sabor e vocabulário. Jambu é uma planta, uma erva que é servida como iguaria, tem propriedades anestésicas, é uma folha, e eu, herbívora como nunca fui, mastigo, engulo e acho bom.

No almoço seguinte, tambaqui e matrinxã expandem mais ainda meu vocabulário, começo a reencontrar minhas raízes (tenho sangue indígena). Eu, que só comia tilápia e linguado, me sinto em casa –  mas uma casa sobre palafitas. Nunca experimentei peixes tão deliciosos. A sobremesa é o abacaxi doce da floresta servido com sorvete de tapioca, e eu já nem lembro o que é bife.

No jantar, pirarucu com folhas de tucumã. Palavras pesadas, e só elas pesam. Café da manhã com frutas extravagantes. Provo o suco de cajé. Dou o primeiro gole e troco para sempre o morango pelo cajá, a melancia pelo cajá, a laranja pelo cajá. Onde encontrarei cajá no Rio Grande do Sul? Se você souber, avise no meu Instagram: @realmarthamedeiros

Caldeirada de tambaqui com banana. Suco de cupuaçu. Percebo que estou reencontrando as vogais, a Amazônia não é consoante. Risoto de tacacá. Molho de tucupi. Pirarucu de casaca. Sorvete de açaí com calda de chocolate. Alguém me resgate antes que eu afunde esse barco com meu sobrepeso.

O Amazonas é a nouvelle cuisine tupiniquim, não perde para Paris e dá motivos para todos os brasileiros se orgulharem, da mesma forma que se orgulham do churrasco, da moqueca, da feijoada. O Norte, definitivamente, abriu meu apetite.

Texto publicado na revista Ela

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